domingo, 12 de setembro de 2010

Bakhtin e os processos de ensino e aprendizagem no campo: aproximando os sentidos entre extensionistas e agricultores.


Luís Fernando Soares Zuin
Poliana Bruno Zuin

Provavelmente o maior desafio enfrentado nos processos de ensino-aprendizagem voltados à produção agropecuária se refere a aproximação dos sentidos historicamente produzidos entre os extensionistas e agricultores. Isso ocorre pelo fato da extensão rural ser uma prática cunhada no difusionismo de tecnologias, cuja prática educativa se baseia em um tecnicismo que desconsidera os agricultores como sujeitos ativos de seus processos produtivos, bem como de sujeitos históricos que produzem a sua própria história. Diante disso, a relação entre extensionistas e agricultores não é e não têm sido uma relação de parceria em busca de uma práxis do ser mais do homem do campo.
Utilizar como respaldo teórico os conceitos trazidos por Bakhtin nos processos educativos não-formais, que é o caso da extensão rural, nos leva a crer que a dialogia e a busca pela aproximação de sentidos entre extensionistas-educadores e agricultores-educandos, durante os processos formativos, seja a chave para auxiliar significativamente os agricultores em seus meios produtivos, garantindo a sua sobrevivência no campo. Para nós os processos de capacitação dos agricultores em nada diferem dos processos de ensino-aprendizagem formais. Com este cenário em mãos, passamos a tecer reflexões sobre a comunicação que se configura nos processos de ensino-aprendizagem que ocorrem no campo a partir do conceito de texto de Bakhtin que se define nas interações de quatro preposições básicas, sendo: a sua significação; o conteúdo ideológico; o ato dialógico; e o ser único.
A respeito da preposição da significação, o autor diz que em uma dada enunciação um sujeito deve  interpretar e compreender o significado da mensagem e não apenas conhecê-la, pelo fato de que não há função passiva em contextos comunicativos que ocorrem entre locutores e interlocutores. Compreensão essa que se dá entre pares, diferente do entendimento que se dá em um plano individual. Essa primeira preposição vai de encontro de como têm sido pensada a comunicação no campo, cujo difusionismo prega uma prática verticalizada de A para B, cujo emissor transmite uma mensagem a um receptor que deve se apropriar passivamente do conteúdo ideológico emitido. Conteúdo esse que prega a compra de pacotes tecnológicos que nem sempre condizem com o contexto dos agricultores, daquilo que precisam. Ainda nesse modelo difusionista, as experiências de vida dos agricultores são consideradas como um ruído, algo ruim, que impediria o entendimento da mensagem durante o processo de comunicação, caracterizando assim a invasão cultural, a qual exclamava Paulo Freire.
Pensar em Bakhtin como um teórico que levaria à práxis das relações comunicativas, que se efetuam a partir de processos de ensino e aprendizagem entre extensionistas e agricultores, nos leva ao entendimento de que a compreensão de uma mensagem é talvez o primeiro passo para que se estabeleça o diálogo entre pares. Diálogo esse que se configura em uma prática horizontal de A junto e com B, uma relação que ambos sujeitos têm direito à palavra. Diálogo que se inicia a partir de um locutor, vindo depois a sua réplica e assim por diante. Para o autor, o processo de compreender algo, mediante o diálogo, é determinado pela ação de confrontar a palavra do locutor a uma contrapalavra do interlocutor. Assim, somente existe diálogo, pois existe o outro, o interlocutor, sendo este um princípio fundamental para se pensar a dialogia. Nesse sentido, pensar o processo de ensino-aprendizagem que ocorrem na extensão rural a partir da dialogia, implica na busca do conhecimento dos agricultores, dos interlocutores, da sua leitura de mundo, a fim de que tenhamos uma prática significativa, sem que ocorra uma invasão cultural.
A fim de que possamos finalizar o texto aqui proposto, buscamos analisar de que maneira poderíamos ter uma comunicação mais efetiva e uma prática de ensino e aprendizagem mais significativa. Como proposto na introdução desse texto, cremos que seria mediante a aproximação de sentidos. Dessa forma, a compreensão do sentido das mensagens, viria do estabelecimento de pré-sentidos a partir dos significados das palavras que se encontram contidos em cada mensagem. E essa aproximação de sentidos dependeria fundamentalmente da qualidade da relação dos pares, onde esta significação seria e é formada durante os processos de produção e interpretação do conteúdo das mensagens. Portanto, em uma relação de parceria, haveria um pré-sentido que seria o primeiro produto da intersubjetividade, o início do reconhecimento do conteúdo da mensagem, por se tratar de pares que possuem experiências comuns em ambientes comuns. Durante o diálogo entre pares se configuraria uma relação de intersubjetividade a respeito do conteúdo de uma mensagem. Essa relação é anterior a sua subjetividade, e é por nós entendida como um pré-sentido do conteúdo da mensagem, pois seria um ínterim entre os significados sociais e os sentidos pessoais. A intersubjetividade seria a visão do mundo que cada um dos pares carrega, a leitura de mundo a qual nos relata Paulo Freire, ou ainda seria o leque de experiências vividas pelos interlocutores que vão sendo reelaboradas e que vai sendo aproximada, cada vez mais, à medida que se constrói historicamente uma relação. Ou seja, os sentidos pessoais que cada um traz vão se configurando em pré-sentidos em busca da aproximação de um sentido que mais se aproximaria de um significado comum a eles.
Diante do exposto, cada diálogo seria único por encontrar-se em seu bojo sentidos únicos historicamente construídos, mas que se configuram por meio de significados comuns. Assim sendo, o sentido é único e pessoal, e em volta dele transita os significados dos objetos, logo o significado é uma ação transitória do entendimento entre o objeto que o representa e a interpretação dos pares. Nos processos formativos rurais teríamos três classes de entendimento do conteúdo do enunciado entre os pares: o significado, o pré-sentido e o sentido; sendo, portanto, os pré-sentidos a aproximação de sentidos entre extensionistas e agricultores, um ínterim na busca de um processo de ensino e aprendizagem que leve à uma práxis das relações humanas e produtivas que ocorrem no campo. Portanto, jamais haverá um sentido comum entre pares, pois o sentido é sempre único e pessoal. O que teremos sempre serão pré-sentidos, que nada mais são do que o movimento dialético entre significados sociais e sentidos pessoais. Se configurando a comunicação dialógica e as enunciações como o calcanhar de Aquiles das relações sociais.

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